sexta-feira, 30 de janeiro de 2009


“A história da paternidade no Ocidente está marcada por uma tensão entre paternidade biológica, paternidade social e paternidade legal. Esta tensão é comum a hetero e homossexuais em situações ou projectos familiares, mas é de alguma forma dramatizada nas situações, na sua maior parte homossexuais, em que não exista provisão legal, por parte do Estado, da legalidade das situações
homoparentais. Igualmente, quanto menos provisão legal exista, menos parece haver uma cultura de como fazer e proceder em situações de disputa de paternidade entre gays e lésbicas, assistindo-se ao recurso ou à normatividade legal, ou à normatividade moral (e necessariamente heteronormativa, androcêntrica e patrilinear) a ela associada. Esta realidade denota-se ainda das páginas dos manuais sobre homoparentalidade, produzidos pela comunidade LGBT de alguns países, onde é comum encontrar-se avisos e conselhos sobre este tipo de problema.
Portugal é uma sociedade que atravessa um momento de forte ambiguidade. Por um lado, e no contexto europeu, a democracia portuguesa não atingiu o nível avançado na política sexual já atingido pela Espanha; por outro lado, não se encontra numa situação de homofobia institucionalizada como em alguns países da Europa, quer do Sul, quer do Leste. Do lado positivo, Portugal dispõe de uma lei das uniões de facto, de uma constituição que proíbe explicitamente a discriminação por orientação sexual, e de um debate público e político que certamente conduzirá à legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Do lado negativo, Portugal, além de ainda não ter essa igualdade formal no casamento, tem uma ressalva negativa em relação à adopção por casais homossexuais e na sua lei de procriação medicamente assistida veda o acesso por parte de mulheres sozinhas e por casais de mulheres.
Tal não tem impedido a reprodução entre as pessoas e casais homossexuais.
Além dos muitos casos de filhos tidos em relações heterossexuais anteriores, os gays e as lésbicas portugueses têm recorrido a formas de reprodução que passam sobretudo pelas seguintes estratégias: o recurso à procriação medicamente assistida no estrangeiro, sobretudo em Espanha, por parte das mulheres; o recurso a um dador amigo, com ou sem definição de futuro envolvimento parental deste; projectos de co-parentalidade, com um/a amigo/a ou casal; o recurso à adopção singular com ocultamento da (ou prévio à) existência de um/a parceiro/a.
É fácil imaginar as complicações que podem advir do quadro legal existente. É bem mais fácil produzir fisicamente uma criança do que (re)produzir um quadro de parentalidade e convivência familiar posterior ao nascimento da criança. Essas dificuldades prendem-se, por um lado, com o quadro legal e, por outro, com a dinâmica familiar e parental que o nascimento de uma criança espoleta, e que depende de múltiplos factores, que vão desde a gestão dos aspectos práticos da vida até às qualidades específicas das relações de amizade, afectividade e conjugalidade das pessoas envolvidas. (…)”


Miguel Vale de Almeida

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O que mudou na vida dos casais?

"(...) Os cientistas sociais sabem com incrível pormenor o que se passa no lar norte-americano comum. E calcularam com grande precisão que as mulheres fazem cerca de duas vezes mais em casa do que os homens. Os valores mais recentes do relatório nacional da Universidade de Wisconsin sobre famílias e agregados familiares revelam que a esposa-padrão faz 31 horas de trabalhos domésticos por semana e o marido-padrão 14. Se analisarmos os casais em que as mulheres ficam em casa e os maridos são os únicos a ganhar dinheiro, o número para as mulheres sobe para 38 horas de trabalhos domésticos por semana, e baixa para os homens - 12 horas. Mas considerando os casais em que ambos trabalham a tempo inteiro, a esposa faz 28 horas e o marido 16. O que não faz sentido. (...)
A relação no tratamento dos filhos, nos EUA, é de quase cinco para um, entre mulher e marido. (...) Numa família em que a mãe fica em casa e o pai trabalha fora, ela passa 15 horas por semana a tratar dos filhos e ele 2. Nas famílias em que ambos os pais são assalariados, a média da mãe desce para 11 horas e a do pai sobe para 3. «O mais impressionante - diz Blair - é que nada disto é muito diferente de há 90 anos». (...)
«Os casais heterossexuais têm muito a aprender com os casais `gays´a respeito da partilha das tarefas domésticas e de tratamento dos filhos», defende Esther D. Rothblum, professora no departamento de Estudos Femininos da Universidade Estatal de San Diego. O seu estudo comparativo do relacionamento em 342 casais - lésbicos, homossexuais e heterossexuais (...) «[Os casais homossexuais] são bons modelos». (...) O estudo encontrou muito pouca da desigualdade que aparece quando são heterossexuais a responder. (...) «os pais heterossexuais atiram culpas um ao outro sobre o não cumprimento de responsabilidades, as mães lésbicas digladiam-se por não estarem tempo suficiente com os filhos.» (...)"

in Courrier internacional - nº 150 (Agosto de 2008)

As imobiliárias da comunidade gay

"(...) Andreia tem 34 anos e trabalha há seis na RE/MAX - antes era secretária. Clara tem 38 e está na agência há quatro anos, continua a esculpir mas agora em part-time. Formam uma dupla agentes imobiliárias especialmente pensada para a comunidade LGBT. Ou seja, serão as primeiras agentes imobiliárias dedicadas a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. As primeiras em Portugal - desde Junho de 2008 - porque noutros países é comum haver empresas que encaram a comunidade LGBT como segmento de mercado, sejam imobiliárias, seguradoras ou agências de viagens. A ideia aliás foi pôr em prática o que sabiam que acontecia já em muitos outros países, com sucesso comercial. Mas para quê um serviço especial para a comunidade LGBT? «Falta à vontade a algumas pessoas que não se querem expor quando se dirigem a uma empresa», diz Andreia Melo. Talvez por isso, «é incrível a falta de informação» sobre questões legais e a dupla conta com apoio jurídico para reencaminhar e esclarecer as dúvidas dos clientes.

NOVA MENTALIDADE EMPRESARIAL

Além do imobiliário, há em Portugal outras áreas empresariais que já procuram clientes entre a comunidade LGBT. A propósito, Andreia Melo dá exemplos de uma empresa de eventos, da nova revista LGBT portuguesa Com´Out e da versão lisboeta da revista Time Out, que tem uma secção especializada. Para a agente imobiliária, «o ano de 2008 foi de mudança de mentalidades, o que implica uma nova atitude empresarial».
Mas a generalidade das grandes marcas e empresas ainda não consideram a comunidade LGBT como um segmento de mercado. «Não faz sempre sentido esse tipo de segmentação, porque [a comunidade LGBT], muitas vezes, não tem necessidades diferentes», diz o publicitário Tiago Viegas, 30 anos, director criativo na Brandia Central. Já o presidente da ILGA - associação de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero -, Paulo Côrte-Real, explica esse tipo de oferta com o facto de haver «vários campos em que infelizmente [ainda] é necessária uma segurança adicional para que as pessoas LGBT tenham acesso a serviços». Este activista e economista de 34 anos fala em queixas de discriminação de consumidores gays -por exemplo no acesso a empréstimos bancários - e diz que acaba por haver em alguns casos «relutância em procurar sequer aceder aos serviços, com medo de uma eventual negação em função da orientação sexual». Com a dupla RE/MAX LGBT não há esse perigo. E todos os clientes são bem tratados, mesmo que sejam heterossexuais. Senão, diz Andreia Melo, «seria discriminação»."


in Visão nº829 (22 a 28 de Janeiro de 2009)

"COME OUTS' VISÍVEIS"

"O sociólogo José Garrucho, 49 anos, explica :« Para alguns sectores da sociedade, a homossexualidade cria confusão por causa da divisão em masculino e feminino. E quando vêem as imagens no ecrã, interpretam-nas à luz da sua forma de pensar.» Ou seja, em alguns casos, pode até causar reacções homofóbicas, acusando esses "desvios" à sua contracepção da sociedade de serem responsáveis pela falta de valores.« Em situações de crise, os grupos minoritários são aproveitados como bodes expiatórios. Veja-se o caso dos Imigrantes.», lembra o especialista.
A opinião de José Garrucho não é partilhada por Miguel Vale de Almeida,48 anos, antropólogo, especialista em questões de género e sexualidade. Diz ele que «a televisão deverá estar atenta aos elementos da sociedade e aos assuntos que são menos visíveis.» No caso Português, Vale de Almeida considera que os programas televisivos têm vindo a reagir à pressão positiva do movimento Lésbico Gay e Transsexual (LGBT) no sentido dessa visibilidade.
Em Setembro de 2005, o movimento teve o seu maior período de apoteose. A Sic estreou, em horário nobre " Esquadrão G" um reality show baseado num formato americano (Queer Eye for the straight Guy). Nele as estrelas do programa- João Ribeiro, Jorge Correia de Campos, Óscar Reis, Paulo Piteira e Pedro Crispim -, gays assumidos tentaram mudar machos latinos no sentido de fazer as suas mulheres mais felizes.
De cada vez que uma figura pública sai do armário sem que isso afecte a sua imagem dá-se mais um passo em frente. Lembre-se dos casos de Solange- F , ex-apresentadora do " Curto Circuito" e agora membro da Tertúlia cor-de-rosa no programa Fátima (SIC), ou Manuel Luís Goucha que recentemente deu uma entrevista dizendo que o seu companheiro é a pessoa de quem mais gosta, a seguir à sua mãe. Sem ser 100% explícito, terá feito mais com estas declarações do que alguns papéis de ficção.
Pedro Frazão, 32 anos, psicólogo, autor do primeiro curso de Introdução aos Estudos Gays e Lésbicos, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), em Lisboa, acha mesmo que «a existência de `modelos´, em programas de televisão e também em pessoas com notoriedade, produz mensagens muito positivas. Ajuda-as a fazerem o seu coming out, a nível familiar e social» (...)
A ficção exerce hoje o papel dos mitos na Antiguidade - o de falar do que não se pode falar. Com as devidas diferenças, as telenovelas e as séries em geral podem também funcionar como substitutas do teatro, como ele era entendido nessa mesma Antiguidade clássica: provocador de mentalidades (...)"
in Visão - nº822 (4 a 10 de Dezembro de 2008)

Estereótipos, NÃO, OBRIGADA!!

"Pouco depois de, nos Estados Unidos, o actor Billy Cristal ter deixado de fazer rir com o "seu" homossexual Joddie Dallas, em "Soap"(1981), Herman José criava um personagem lésbico que deu brado em Portugal. Lídia Franco, hoje com 64 anos, recorda mais depressa esse papel cómico em "Hermanias"(1984) do que a sua personagem dramática Isabel, em "Terra Mãe"(1998). « No programa do Hérman, o tema foi mais explorado. Na altura, até fui insultada.»
Águas passadas... hoje, a realidade é outra. António Serzedelo, 63 anos, fundador e presidente da Opus Gay e um dos mais antigos militantes da causa homossexual não duvida : « Estamos num outro patamar. Quando a televisão trata das uniões de facto ou das adopções de uma forma positiva, provoca nas pessoas uma abertura para aceitar mais facilmente essas questões.»
Mas nem tudo são rosas, ou não estivesse em Portugal atrasado em relação ao estrangeiro e só agora a dirigir-se para o caminho das séries Norte-Americanas - em quase todas as produções há, pelo menos, um personagem gay que pode mesmo assumir o protagonismo da história. Serzedelo nota a falha nacional: «Ainda existe algum folclore, estereotipando a figura do homossexual.»
Em " Podia Acabar o Mundo", a mesma novela em que Diana Chaves e Ana Guiommar se vão beijar lá mais para Janeiro, Geraldo Álvares (Gonçalo Dinis) protagoniza esse estereótipo. Num misto de " bicha" e "snob", anda de calças vermelhas, bamboleia-se, fala de forma afectada. Manuel Arouca, 53 anos, o argumentista da novela resume: «Ele tem uma homossexualidade mal resolvida.»"

in Visão nº822, (4 a 10 de Dezembro de 2008)

Quem somos?

Somos um grupo de área de projecto da Escola Secundária Jácome Ratton. O grupo é constituído por cinco elementos da turma A do 12º ano. Este blog teve origem num projecto escolar sobre a homossexualidade para a referida disciplina.
Escolhemos elaborar um projecto que se incida na temática da Homossexualidade porque sabemos bem que é um assunto actual e que, em Portugal ainda é tabu. Porque acreditamos que podemos fazer um pequeno contributo para fazer evoluir a sociedade no que toca a respeitar os outros e a todas as suas diferenças, a quebrar estereótipos que todos temos, a defender a igualdade - porque todos somos cidadãos do mesmo país, e, por agora, apenas temos os mesmos deveres… Cremos que podemos ajudar familiares, amigos e jovens homossexuais a entender melhor esta sua orientação sexual. Achamos que a escola também serve para educar e formar, e, por isso mesmo, vimos aqui uma oportunidade onde podemos auxiliar nessa tarefa.
Sabemos que este ainda é um tema bastante controverso, mas, como já referi, pretendemos “abrir mentalidades”. Gostamos de situações polémicas porque gostamos de ajudar a enfrentar o que mais ninguém tem coragem/ ousadia de encarar. Gostamos de marcar diferença pela positiva, de fazer algo útil tendo plena consciência de que será tarefa árdua.
Denominámos o nosso projecto por “Uma Sociedade Heterogénea” porque achámos que este seria o título que mais se enquadraria no trabalho que pretendíamos realizar. Este título surgiu porque vivemos numa sociedade onde todos somos diferentes, temos diferentes culturas, religiões, clubes, políticas, e, também, diferentes orientações sexuais (nem todos os membros da nossa sociedade se sentem preferencialmente atraídos física, emocional e espiritualmente por pessoas do sexo oposto). Vivemos assim numa sociedade heterogénea onde a condição de homossexual é uma minoria (e por vezes discriminada).